Entrega sempre a tua beleza
Venho poucas vezes, falta o tempo, falta entrega e generosidade, falta beleza, faltam palavras. Não sei se amo ou se perdi a capacidade de amar, se vejo a beleza das coisas que me rodeiam ou fecho os olhos diante delas, mas sei que vivo e Deus vive em mim. Sinto desejo de voltar a ser alegre e a deixar-me queimar pelo sol, de dizer de mim o que em mim permanece de verdade, mas calo-me, porque esqueci o que sabia de mim.
As minhas pernas estão
mais fracas em cada dia, com frequência caio sem me
magoar demasiado, porque ando devagar. Só posso, só devo andar devagar. Os
músculos descontrolam-se ao sabor de um simples toque ainda que seja de
ternura. De tudo o que fui, ficou a mulher frágil e desajeitada que sou... Da
mulher que apesar de tudo, se entrega à vida, sem cálculos, sem
muitas palavras, tal como diz o poema de Rilke.
Tenho um amigo, cujas
coisas gosto de reler e de vez em quando, que diz: "A vida de Jesus,
a força dos seus gestos, atesta que Deus é dom incondicional de si para a vida
de todos... é esta a verdade que salva".
Hoje fico diante desta
verdade que me salva, sem mais... e porque sinto que é preciso perder tudo para
ganhar de novo.
Entrega sempre a tua beleza
sem cálculo, sem palavras.
Calas-te.
E ela diz por ti: eu sou.
E
com mil sentidos chega,
chega
finalmente a cada um.
Rainer
Maria Rilke,
in
“O Livro das Imagens"
A lagoa dos cântaros - Serra da Estrela
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