Eu e Daniel Faria...
Diversas vezes tenho deixado aqui poemas de Daniel Faria, mas quem é ele afinal? Questão pertinente...
E é que eu também não sei bem explicar... conheci-o e fui aprendendo a amá-lo e ao lê-lo vou-o conhecendo melhor e identifico-me um pouco com ele, na sua fragilidade, no seu desejo de Deus e na poesia que tenho na alma e não sei escrever...
Aqui fica pois o que hoje foi publicado no Secretariado da Cultura.
Daniel Faria: uma obra singular na poesia
portuguesa contemporânea
Licenciou-se em Teologia e em Estudos
Portugueses e ingressou no mosteiro beneditino de Singeverga, em Roriz, onde
morreu precocemente, aos 28 anos. Em vida, publicou cinco livros de poemas,
incluindo, dois fortíssimos, ambos editados pela Fundação Manuel Leão:
"Explicação das Árvores e de Outros Animais" e "Homens Que São
como Lugares Mal Situados". Postumamente, a mesma fundação publicou
"Dos Líquidos".
Nada daquilo que o poeta procura é uma evidência, e são várias as
alusões à solidão do catre, à aflição e ao pavor de quem espera não se sabe o
quê: «Não tinha nada donde vim. Aqui não encontrei/ O que tive e a cadeira não
serve o meu repouso. (...)
Os poemas não escondem uma certa
desolação, com a imagem recorrente da pedra, coisa inerte, com os
pressentimentos de morte, ou com versos como estes: «O precipício não tem
futuro ou desalento/ Mas um carreiro que atravessa as giestas e o trevo/ Um
carreiro que chega ao seu destino/ Como a lenha podada ao fogo/ A madrugada aos
olhos do mocho./ O desamparo não tem as mãos juntas/ Mas o peito dividido.» (...)
Daniel Faria reivindica uma certa capacidade cristã de
compreender «o humano» enquanto categoria, sobretudo na sua infelicidade. E
escreve sobre homens que são como lugares mal situados, como casas saqueadas,
como caminhos barricados, como esconderijos de contrabandistas, como danos
irreparáveis, como sítios desviados, como projetos de casas. Esses homens (e
mulheres) usam as personagens bíblicas como exemplos, patriarcas como Abraão,
profetas como Elias, amigos como David e Jónatas, mães improváveis como Sara ou
Raquel, ressuscitados como Lázaro, quase ressuscitado como Jonas, a mulher
adúltera perdoada, o filho pródigo recompensado, e até Zaqueu, que subiu a uma
árvore para ver Jesus.
Mais do que uma poesia
"católica", esta é uma poesia "bíblica", porque encontra
nas Escrituras todos os «lugares» do humano, todas as tribulações e redenções. (...) Faria descreve-se como
um cego que fala do que vê, daquilo que vê num «pensamento» atuante, que
transforma, que se transforma. (...)
É uma alegria sofrida, uma certeza magoada, uma plenitude frágil.
É uma alegria sofrida, uma certeza magoada, uma plenitude frágil.
Quando o poeta escreve que ninguém lhe ensinou aquilo,
«fui eu que descobri», quer dizer que a experiência poética pode vir da Bíblia
mas que a experiência humana é dele.(...) O Deus de Daniel Faria tanto é velho-testamentário,
terrível, como o Deus dos Evangelhos, um Deus que acompanha: «Desataste-nos
do pó desfivelando as sandálias/ Tu caminhas sobre os nossos pensamentos.»
A poesia de Daniel Faria pertence ao seu
tempo, porque supõe um vazio ou uma ausência. Mas é também "inatual",
e por isso marcante, porque descobre um sentido, um sentido que religa. Faria
acreditava que no princípio era o verbo, uma convicção tão religiosa quanto
poética: «É ele que conserva o mecanismo dos pássaros/ É ele que move
os moleiros quando param os moinhos/ É ele que puxa a corda dos bois e a linha/
Do céu que assinala os limites dos montes// Ele é que eleva o corpo dos santos,
é ele/ Que amestra o pólen para o mel, ele decide/ A medida da flor na farinha/
Ele deixa-nos tocar a orla dos seus mantos.»
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