Que amo eu, quando Vos amo?

Que amo eu, quando Vos amo? Não amo a formosura corporal, nem a glória temporal, nem a claridade da luz, tão amiga destes meus olhos, nem as doces melodias das canções de todo o género, nem o suave cheiro das flores, dos perfumes ou dos aromas, nem o maná ou o mel, nem os membros tão flexíveis aos abraços da carne. Nada disto amo, quando amo o meu Deus. E contudo, amo uma luz, uma voz, um perfume, um alimento e um abraço, quando amo o meu Deus, luz, voz, perfume e abraço do homem interior, onde brilha para a minha alma uma luz que nenhum espaço contém, onde ressoa uma voz que o tempo não arrebata, onde se exala um perfume que o vento não esparge, onde se saboreia uma comida que a sofreguidão não diminui, onde se sente um contacto que a saciedade não desfaz. Eis o que amo, quando amo o meu Deus. (...)
Entoe vossos louvores aquele que compreende, e quem não compreende enalteça-Vos também! Oh! quão sublime sois! Contudo a Vossa morada são os humildes de coração! Levantais os que caíram, e não caem aqueles de quem Vós sois a altura! (...)
Nós agora somos inclinados a praticar o bem, depois que o nosso coração o concebeu, inspirado pelo Vosso Espírito. Mas, ao princípio, desertando de Vós, éramos arrastados para o mal. Contudo, Vós, meu Deus e único Bem, nunca deixastes de nos beneficiar. Com a Vossa graça algumas obras realizámos; mas estas não são eternas. Depois de as termos praticado, esperamos repousar na Vossa grande santificação. Vós sois o Bem que de nenhum bem precisa. Estais sempre em repouso, porque sois Vós mesmo o Vosso descanso.
Quem, dos homens, poderá dar a outro homem a inteligência deste mistério? Que anjo a outro anjo? Que anjo aos homem? A Vós se peça, em Vós se procure, à Vossa porta se bata. Deste modo, sim, deste modo se há-de receber, se há-de encontrar e se há-de abrir a porta do mistério.
Santo Agostinho
In Confissões
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